O remorso de Orestes,
Com bastante frequência todos questionamos ao longo desta,
cada vez mais, considerada efémera e frágil passagem pela vida: o que é a
felicidade?
Com a depressão apontada como uma das doenças mais graves e
comuns dos tempos ditos de modernos (fustigando novos, maduros e velhos) vulgarizam-se
as prescrições de profilaxia e tratamento, com receitas intituladas de
autoajuda e listagens de conselhos, uns bons outros assim-assim, que asseveram
ser possível alcançar o elixir do bem-estar e, em fim último, o da felicidade.
Para tal basta seguir o receituário prescrito pelos doutorados especialistas ou
pelos entendidos nesta atual terapia designada de counseling.
Com tanta metodologia e prescrições, umas pagas chorudamente
em workshops, outras gratuitamente
adquiridas apenas ao navegar pela internet à distância de um clic, pergunto-me porque será que ainda
existem SERES que, em vez de consultarem um especialista, ou/e se automedicarem
ou/e, ainda, lerem uns quantos fabulosos artigos já publicados, canalizam as
suas forças, energias (estas sim doentias) e massa cefálica a pretenderem curar
a felicidade alheia com injeções de mentira, inveja, vingança, rancor e
crueldade? Assumindo uma duplicidade de papeis/trajes, ora de vítima, ora de
agressor.
Parece que, por estes dias, é mais grave ser-se feliz, ou
pelo menos estar a bem com a VIDA, do que estar num estado
depressivo-agressivo! Aparenta, e reforço, aparenta, que o bem-estar é mais
preocupante do que o mal-estar individual! Causa mais indignação uma boa risada,
do que o triste soluço mal disfarçado que asfixia e causa dor.
Será que estes SERES sugadores de felicidade estarão tão alucinados
ao ponto de acreditarem que, tal como acontece numa transfusão de sangue em que
os compostos se diluem numa mesma circulação, também eles conseguirão alcançar
a panaceia da felicidade, sugando-a dos outros SERES? Será que estes SERES
desprovidos de qualquer nobreza de sentimentos serão eles os vampiros do tempo presente?
Intitulam-se vítimas da má-sorte e do abandono, mas agem como dominadores. Será
que numa pobreza de carácter terão a ilusão de que a felicidade se rouba ou
invés de se construir de dentro para fora, tendo como pilar a nobreza e
autenticidade dos sentimentos, dos afetos, dos gestos e das palavras?
Acreditarão que o próprio bem-estar se constrói sobre os despojos da dor de
outrem?
A felicidade vai sendo o radioso reflexo da beleza interior
de cada um.
Quando vamos na rua e tropeçamos numa pedra, umas vezes
conseguimos manter o equilíbrio, outras vezes caímos. Aleijamo-nos com mais ou
menos gravidade. Cuidamos da ferida para que ela não infete e cicatrize o mais
rapidamente possível. Quando assim é somos SERES cuidadores de nós próprios. E
contagiamos quem nos quer bem com esta alegre resistência. Somos SERES
cuidadores do outro. Lutamos com garra para vencer a nossa dor, saramos as
nossas feridas e seguimos em frente. Somos sobreviventes! Daí por diante,
apenas seguimos já mais atentos às pedras que poderemos vir encontrar na nossa
jornada. Aprendemos a caminhar seguro, não esquecendo a pedra que nos fez cair.
Mas também não evitando todas as pedras que surgirão no caminho que só
terminará quando a vontade de VIVER se desvanecer. Também não nos revoltamos
com todas as pedras! Não as passamos a odiar! Aplicamos a unção da compreensão
e do perdão, reconhecendo os nossos próprios limites e imperfeições. E somos
fortes por isso. Acreditamos que estar VIVO é ir sempre afastando a meta,
ultrapassando os próprios marcos, ambicionando a tão utópica mestria. Seguimos
caminhando sempre na esperança de encontramos bons trilhos, bons companheiros
de jornada, sem nunca perder a consciência do acidentado do percurso. Enfim!
Construímos a felicidade da caminhada dentro de nós, por nós próprios e para
nosso regozijo.
Os SERES sugadores de felicidade são SERES sem trilho! Sem
ponto de partida e não estão construindo a sua meta-felicidade. Desconhecem o
companheirismo. E são fracos por isso. Não curam de suas feridas! Tão pouco das
feridas dos outros! Aprofundam-nas ainda mais, alimentando-se da dor que em si
causam e naquela que julgam causar aos outros. São ELES a colocarem as pedras
em seus próprios caminhos num frenético ziguezague que provavelmente os
consumirá. Gastam seu potencial, não a construírem o seu bem-estar, mas a
arquitetar manhosamente estratégias de sugar a felicidade que julgam ser sua
por direito. Esgotando a sua efémera passagem por esta VIDA invejando a
caminhada alheia. O seu tempo se apagará sem nunca terem tido, sequer, um
pequeníssimo vislumbre da felicidade que é sentida quando somos construtores e
vencedores da nossa própria caminhada.
Lúcia Gonçalves (dezembro de 2016)
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