terça-feira, 22 de março de 2016

O Despertar da Primavera

                                          Foto de: Lúcia Gonçalves

   

É abril.
A alvorada nasce radiosa.
Gotículas de orvalho resvalam
como  pérolas roliças sobre a areia.
As cores ganham vida e alegria própria
A brisa morna beija-me as faces.
As pálpebras deslizam
como que querendo suster
a lágrima que se emociona.
Balanço o corpo ao sabor
da sinfonia  vinda dos ninhos
 abrigados nas pernadas ressequidas
da velha figueira.
Saboreio e mastigo os sabores
que avivam as memórias gustativas.
Inalo sofregamente
o matizado dos aromas.
As narinas dilatam-se.
O peito enche-se dos verdes e doces cheiros.
A um ritmo compassado
o sol vai alongando
os raios dourados pela planície.
A natureza espreguiça-se
longa e demoradamente
Sorri-me.
Sorriu-lhe.
Curvo-me.
Suspiro perante a dádiva da vida.
Rejubila-me a sua vulgar beleza.

Lúcia Gonçalves (Abril de 2014)

sábado, 19 de março de 2016

A Carta que não tive oportunidade de escrever ao meu pai.


- Quem tu pensas que és para teres partido sem avisar?
Que rompes as promessas de castigo!
Que furas os horários maternos de estudo!
Que roubas o comando da TV!
Que combinas num segredo paterno
a primeira saída noturna,
mas que me manterás numa redoma de vidro!
E te zangarás quando der o primeiro beijo.
Que chorarás comigo, desalmadamente
a caminho do altar.
Pai, tu nunca soubeste dizer não!

Pai, Tu és:
A razão de eu vestir uma t-shirt quando lá fora a neve cai,
ou de ir de casacão quando o calor aperta.
A melhor forma de eu apanhar uma constipação!
A melhor desculpa para não comer a sopa,
ou ficar a ver um filme até mais tarde.
A melhor companhia para ir ao meu primeiro concerto.
Na tua banal imperfeição
serás sempre o meu herói
e eu a tua menininha

Por ti:
Serei corajosamente paciente,
inteligente e decidida.
Aprenderei a suportar a tua Partida.
Não desistirei dos meus sonhos.
Com certeza tornar-me-ei mulher.
Viverei apaixonadamente,
perpetuando o teu nome.
Chegarei ao fim da meta
Reclamarei à providência divina um anjo da guarda.

Pai, acredita que:
que o coração bate depressa,
quando no silêncio da noite,
no momento em que a realidade
 se confunde com as lembranças,
chamas por mim.
Que no teu abraço o medo desaparece.
Devo-te cada sopro, Pai!
Sei que zelarás por mim para lá da eternidade.
Num simples e prolongado toque de dedos
sentirei o teu conforto nas horas difíceis.
PAI,
AMAR-TE-EI saudosamente
até ao fim dos tempos.

Lúcia Gonçalves 
(dedicado ao pai Humberto Gonçalves que partiu prematuramente)