O despertar da primavera
É abril.
A alvorada nasce radiosa.
Gotículas de orvalho resvalam
como pérolas roliças sobre a areia.
As cores ganham vida e alegria própria
A brisa morna beija-me as faces.
As pálpebras deslizam
como que querendo suster
a lágrima que se emociona.
Balanço o corpo ao sabor
da sinfonia vinda dos ninhos
abrigados nas pernadas ressequidas
da velha figueira.
Saboreio e mastigo os sabores
que avivam as memórias gustativas.
Inalo sofregamente
o matizado dos aromas.
As narinas dilatam-se.
O peito enche-se dos verdes e doces cheiros.
A um ritmo compassado
o sol vai alongando
os raios dourados pela planície.
A natureza espreguiça-se
longa e demoradamente
Sorri-me.
Sorriu-lhe.
Curvo-me.
Suspiro perante a dádiva da vida.
Rejubila-me a sua vulgar beleza.
Lucia Papafina (Abril de 2014)
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Palavras e Gestos
-Palavras, que palavras?
- As que nos ferem,
as que nos confundem,
as que são ocas,
as que nos rotulam,
as que nos apartam,
as que nos perseguem,
as que são mesquinhas,
as que são levadas pelo vento,
ou mesmo,
as que são malditas?
- Não.
As palavras que nos identificam,
as que são meigas,
as que nos unem na caminhada,
as que nos enlaçam,
as que nos enamoram,
as que nos aquecem o sangue,
as que nos estremecem a alma,
as que nos fazem sorrir,
as que nos encorajam,
as que nos curam,
ou mesmo
as que nos fazem ter esperança
e que ficarão perpetuadas no tempo
que se esgota.
- E o gestos, que gestos?
- Os que nos apunhalam,
os que nos entristecem
os que nos desorientam,
os que nos fazem arredar caminho,
os que nos apagam a paixão,
os que nos derrubam,
os que nos revoltam,
os que não entendemos,
ou mesmo,
os que são vingativamente intencionais?
- Não.
Os gestos que nos cativam,
os que nos tornam amigos,
os que nos mostram muito mais,
os que nos levam para lá da banalidade,
os que nos emocionam,
os que nos apaixonam,
os que nos fazem sonhar,
os que nos tornarão imortais,
os que nos fazem parecer tolos,
os que nos roubam o sono,
ou mesmo,
os que sendo pequenos na acção
valem mais
do que mil palavras.
Lúcia Papafina (abril de 2014)
“Os sonhos”
Matéria incorpórea
Que faz mover a terra em torno de
um eixo imaginário
sob a forma de nuvens fofas
alucinógenas.
Ora brancas e imaculadas como a
pureza de uma donzela.
Ora negras e avassaladoras como o
pecado de uma meretriz
Os sonhos são pedaços do céu que
nos atormentam.
O sonhador sofre
pelo desejo não realizado.
Revolta-se por tanto sonhar.
Cansado, pousa a bagagem
e de olhos posto mais além
sonha com o dia em que O anjo o
levará
Hipnotizado por seu canto sedutor
Para longe da realidade que o impede
de sonhar.
Os sonhos são os segredos amargos
dos anjos
Que nas suas brincadeiras
celestiais
Entretém-se a traçar os distintos
De quem não se conformando com a
vulgaridade
Se torna presa dos seus
desígnios.
O sonhador cai e ergue-se.
Lambe as feridas e segue jornada.
Num autismo quase destrutivo
Fustigado pela intempérie
De tanto querer que o sonho se
realize
Teme que a vida acabe
No momento em que não tiver
Mais loucura para sonhar.
Os sonhos são leves bolas de
sabão
Sopradas suavemente da boca
enquanto menino
Que tentando desbravar um distinto caminho
Vão saltitando ardilosamente pela
linha da vida
Como que querendo enganar o Deus
criador
Nunca supondo que quanto mais se
afasta do trilho
Mais se aproxima do seu destino.
Lúcia Papafina
(maio de 2014)
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