quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Eu, 5 de dezembro de 2015

Hoje quando bem cedinho fecho a porta da minha recente moradia sei que corro atrás de um sonho. Como todas as maratonas, também esta, foi dura e desgastante. Por vezes senti-me no limite das forças. Mas vá lá saber-se porquê, quando isso acontece o limite afastava-se sempre um pouquinho mais! Afinal, desde nova que sou uma sobrevivente! Resta seguir em frente. Para trás ficaram projetos de vida interrompidos e muitas mágoas que um dia mais tarde transformar-se-ão em memórias mais ou menos incompreendidas. Penso na corriqueira expressão “de que tudo na vida tem um preço”. Pelos vistos parece que sim! Tendo calcular quanto não valerá a realização de um sonho e decido mudar de pensamento, não vão as lágrimas decidirem soltar-se devido à crueza dos sentimentos, revelando a minha fugaz fragilidade. Revejo se tenho tudo o que preciso para transformar a antiga zona de produção da Fábrica Robinson num auditório improvisado destinado à apresentação do meu Romance “O Monte das Tílias”. Claro que tenho! Tenho o meu irmão comigo! E tantos que em pensamento trocem por mim.
A manhã ainda vai a meio e já as pernas e os braços começam a ressentir-se do corrupio.
Só depois de ter passado por diversas vezes pelos fornos, ou o que resta deles, é que me vou familiarizando com a decadência do espaço, apercebo-me que até no abandono há beleza. Não me refiro à beleza do que é agradável aos sentidos. Não dessa! Mas da beleza das estórias que aquelas paredes decrépitas guardam para si. Do quão difícil terá sido trabalhar naqueles fornos gigantes em pleno estio. Da beleza da própria degradação daquele património industrial. Da beleza do verdete que escorre lado a lado com a ferrugem das máquinas. Tal como os nossos passos apressados que, agora carregam cadeiras para tornarem mais confortável um espaço industrial, na minha imaginação recrio aquele mesmo espaço repleto de trabalhadores forçadamente apressados, de mangas arregaçadas, suor escorrendo pelo rosto vincado pela vida dura, dos braços que carregam o sustento para a casa. É dessa beleza escondida de que falo. Da beleza dos princípios das lutas que ali se travaram. É dessa beleza escondida de que falo. Que só se consegue observar quando o fazemos com a alma e os sentidos e não apenas com o olhar.
A manhã corre rapidamente. Tão rapidamente como as passadas aceleradas que damos para transportar cadeiras, mesas, peças de artesanato, cabos, focos, mantas, microfones,… E lá vem o desesperante pensamento “Mas por que razão me meto nestas coisas?”.
Rapidamente os caracóis, habitualmente alvoraçados, dão lugar a um liso grisalho (de que muito me orgulho), as botas de sola de borracha são substituídas pelos sapatos de salto agulha e as habituais calças de ganga são trocadas por umas de fazenda. Passo batom e sombra nas pálpebras. Pronto!
À hora marcada os portões da fábrica abrem-se, por eles entram, não as operárias de outrora, mas sim rostos curiosos. Rostos amigos. Rostos sorridentes. Rostos! Entre sorrisos, beijos e abraços vou recebendo quem aceitou vir conhecer o meu Monte das Tílias que, acabadinho de sair da tipografia, está a ser transportado, não pelos tapetes rolantes que em tempos levavam a cortiça, mas pelos braços das filhas e amigos, até mesmo do editor e da esposa. 
Já sentada na mesa, os homens do Rancho aguardam que dê a indicação que a sessão possa começar. Comigo ironizo com a lembrança de que naquele mesmo espaço, não assim há tantos anos, seria impensável, se não mesmo impossível, ser uma mulher a “mestre-de-cerimónias”. Afinal alguma evolução houve na igualdade de género! Com o olhar ausculto os meus companheiros de jornada. Aceno afirmativamente com a cabeça. O bater dos paus silencia as vozes. Enquanto isso observo os rostos, uns mais afastados, outros mais próximos e encho-me de orgulho por concluir que toda aquela gente veio para conhecer pessoalmente o meu  “O Monte das Tílias”.
Sinto-me em casa. Sinto que toda a vida me fui preparando para tal protagonismo. Sinto que agora sou EU! Olho para a minha mãe e vejo que me observa emocionada. Cumplicidades que só as mães entenderão.
Desejo que o tempo nunca me falte para realizar tantos projetos! Tenho esperança que o destino se cumpra, pois sempre darei o melhor de mim!
Suspiro de orgulho e pesar porque por receber continua aquele abraço apertado que gostaria de sentir sempre que subo um degrau rumo à concretização dos meus sonhos.
Obrigada Família!
Obrigada Amigos!
Obrigada Portalegre!

Lúcia Gonçalves / dezembro de 2015

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