Hoje quando bem cedinho fecho a porta da minha recente
moradia sei que corro atrás de um sonho. Como todas as maratonas, também esta,
foi dura e desgastante. Por vezes senti-me no limite das forças. Mas vá lá
saber-se porquê, quando isso acontece o limite afastava-se sempre um pouquinho
mais! Afinal, desde nova que sou uma sobrevivente! Resta seguir em frente. Para
trás ficaram projetos de vida interrompidos e muitas mágoas que um dia mais
tarde transformar-se-ão em memórias mais ou menos incompreendidas. Penso na
corriqueira expressão “de que tudo na vida tem um preço”. Pelos vistos parece
que sim! Tendo calcular quanto não valerá a realização de um sonho e decido
mudar de pensamento, não vão as lágrimas decidirem soltar-se devido à crueza
dos sentimentos, revelando a minha fugaz fragilidade. Revejo se tenho tudo o
que preciso para transformar a antiga zona de produção da Fábrica Robinson num
auditório improvisado destinado à apresentação do meu Romance “O Monte das
Tílias”. Claro que tenho! Tenho o meu irmão comigo! E tantos que em pensamento
trocem por mim.
A manhã ainda vai a meio e já as pernas e os braços começam
a ressentir-se do corrupio.
Só depois de ter passado por diversas vezes pelos
fornos, ou o que resta deles, é que me vou familiarizando com a decadência do
espaço, apercebo-me que até no abandono há beleza. Não me refiro à beleza do que
é agradável aos sentidos. Não dessa! Mas da beleza das estórias que aquelas
paredes decrépitas guardam para si. Do quão difícil terá sido trabalhar
naqueles fornos gigantes em pleno estio. Da beleza da própria degradação
daquele património industrial. Da beleza do verdete que escorre lado a lado com
a ferrugem das máquinas. Tal como os nossos passos apressados que, agora
carregam cadeiras para tornarem mais confortável um espaço industrial, na minha
imaginação recrio aquele mesmo espaço repleto de trabalhadores forçadamente
apressados, de mangas arregaçadas, suor escorrendo pelo rosto vincado pela vida
dura, dos braços que carregam o sustento para a casa. É dessa beleza escondida
de que falo. Da beleza dos princípios das lutas que ali se travaram. É dessa
beleza escondida de que falo. Que só se consegue observar quando o fazemos com
a alma e os sentidos e não apenas com o olhar.
A manhã corre rapidamente. Tão rapidamente como as
passadas aceleradas que damos para transportar cadeiras, mesas, peças de
artesanato, cabos, focos, mantas, microfones,… E lá vem o desesperante
pensamento “Mas por que razão me meto nestas coisas?”.
Rapidamente os caracóis, habitualmente alvoraçados,
dão lugar a um liso grisalho (de que muito me orgulho), as botas de sola de
borracha são substituídas pelos sapatos de salto agulha e as habituais calças
de ganga são trocadas por umas de fazenda. Passo batom e sombra nas pálpebras. Pronto!
À hora marcada os portões da fábrica abrem-se, por
eles entram, não as operárias de outrora, mas sim rostos curiosos. Rostos amigos.
Rostos sorridentes. Rostos! Entre sorrisos, beijos e abraços vou recebendo quem
aceitou vir conhecer o meu Monte das Tílias que, acabadinho de sair da
tipografia, está a ser transportado, não pelos tapetes rolantes que em tempos
levavam a cortiça, mas pelos braços das filhas e amigos, até mesmo do editor e da esposa.
Já sentada na mesa, os homens do Rancho aguardam que
dê a indicação que a sessão possa começar. Comigo ironizo com a lembrança de que
naquele mesmo espaço, não assim há tantos anos, seria impensável, se não mesmo
impossível, ser uma mulher a “mestre-de-cerimónias”. Afinal alguma evolução
houve na igualdade de género! Com o olhar ausculto os meus companheiros de
jornada. Aceno afirmativamente com a cabeça. O bater dos paus silencia as
vozes. Enquanto isso observo os rostos, uns mais afastados, outros mais
próximos e encho-me de orgulho por concluir que toda aquela gente veio para
conhecer pessoalmente o meu “O Monte das Tílias”.
Sinto-me em casa. Sinto que toda a vida me fui preparando
para tal protagonismo. Sinto que agora sou EU! Olho para a minha mãe e vejo que
me observa emocionada. Cumplicidades que só as mães entenderão.
Desejo que o tempo nunca me falte para realizar tantos
projetos! Tenho esperança que o destino se cumpra, pois sempre darei o melhor
de mim!
Suspiro de orgulho e pesar porque por receber continua
aquele abraço apertado que gostaria de sentir sempre que subo um degrau rumo à
concretização dos meus sonhos.
Obrigada Família!
Obrigada Amigos!
Obrigada Portalegre!
Lúcia Gonçalves / dezembro de 2015
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